Infância e Atualidade: A Concepção de Infância na Prática Educativa.
Este trabalho discute a questão da concepção da infância na atualidade,
a partir da perspectiva social e educacional, de modo a focalizar qual
o conceito que ambas trazem sobre a infância.
A orientação teórico-metodológica foi baseada em autores que discutem a concepção de
infância historicamente e na atualidade, como Áries, Andrade, Paula, e
também os referenciais curriculares nacionais de educação infantil que
em suas diretrizes defende uma determinada maneira de compreender a
infância.
O trabalho analisa através da observação a prática pedagógica
realizada em uma escola municipal.
Conclui que, no âmbito educacional,
apesar de estudos mais recentes sobre a infância como construção social
e as crianças como produtoras também de conhecimento, a criança ainda é
percebida com um "vir a ser", sendo a educação um ato de formação da
criança para o futuro.
Palavras-chave: Infância ? Sociedade - Educação
A questão problemática da pesquisa é acerca do conceito de infância na
educação atual de modo, a saber, se esta tem sido influenciada pela
sociedade em seu modo de "ver" a infância.
O interesse pelo tema surgiu por meio de leituras de autores que tratam
dessa problematização onde se discute a concepção de infância na
sociedade atual, e que por sua vez, me levou a refletir sobre a questão
desta concepção no âmbito educacional, ou seja, tendo em vista que a
escola faz parte do contexto social e desta adquire influências como a
mesma pensa a criança; como um "vir a ser", sendo seu papel formá-la
para o futuro, ou pensa nestas como um ser que está sendo no presente,
ou seja, como produto ou produtora de culturas?
Sobre estas questões acredito que a pesquisa irá nos auxiliar a pensar
sobre qual nosso modo de conceber a infância e como olhamos para a
criança, pois acredito que com base nesse modo de pensar e olhar é que
ensinamos. Portanto, meu intuito é levar a reflexão a partir dos
aspectos teóricos e práticos apresentados.
A pesquisa se direciona a relacionar minha observação prática,
realizada em uma escola municipal, com a pesquisa teórica que me
direcionou ao tema. Desta forma, meu trabalho está estruturado em
primeiramente trazer definições do que foi e é a infância no âmbito
social, histórico, e saber como a sociedade atual a concebe, e como a
escola, a educação pensa a infância, e, ainda, se suas práticas
favorecem o desenvolvimento da criança e valoriza a infância.
Pensar em concepção de infância na atualidade nos remete a refletir
sobre os diversos âmbitos que esta questão traz, mas me delimitarei a
pensar nesta sobre o contexto social atual e no contexto educacional,
tendo como base a concepção de infância que o Referencial Curricular Nacional para educação infantil traz em suas propostas.
Observamos que segundo Neto e Silva (2007) a palavra infância vem de
En-fant que significa "aquele que não fala", isso podemos ver refletido
sobre o processo de construção da infância na sociedade, onde
observamos figura da criança como aquele que não tem capacidade de ser,
estar e atuar por ser criança, ou seja, vista apenas como um ser
moldado pelo adulto ou como um indivíduo sem valor, sem um espaço na
sociedade, e isso decorre desde a sociedade medieval até tempos atrás,
onde começa a mudar tais concepções e passa-se a ver a criança como um
indivíduo pertencente ao meio social com sua cultura e seu modo de
entender o mundo, pois segundo Paula (2005) antes "a criança inexistia
ou ficava adstrita a escassos momentos". (p.1). Ou seja, não
participava do meio, era isolada como um indivíduo que nada sabe.
Áries (1979) ressalta que "na sociedade medieval a criança a
partir do momento em que passava a agir sem solicitude de sua mãe,
ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes".
(p.156). Ou seja, a criança passava a ser um "adulto em miniatura", e a
viver como tal.
Mas a concepção de infância vai sendo mudada conforme a sociedade passa
a vê-la com um olhar mais centrado de que esta é um indivíduo que
pertence à sociedade, que está inserido em sua cultura e dela aprende,
tem "voz", ou seja, tem sua forma de vivê-la, e por esta é influenciada
e a esta também influencia.
Isto porque se acredita que a concepção de infância está ligada à
cultura que vivemos e a sociedade que nós adultos criamos para as
crianças, e como um ser moldado pela cultura e pela sociedade estas
vivem as influências de sua época.
Áries (1979) diz que "a 'aparição' da infância se dá a partir do século
XVI e XVII na Europa, quando o mercantilismo, altera o sentimento e as
relações frente à infância, modificado conforme a própria estrutura
social". (p.14). Isto porque com novas viabilizações da economia e
frente a novos desafios econômicos se pensava em como inserir a criança
nesta mudança social.
Desta forma, observo que conforme há transformações na estrutura social
começa a se mudar também o conceito de infância, e isso frente à
organização familiar; porque não se compreendia de certa forma e não se
pensava a infância como na atualidade, ou seja, não se pensava, e não
se sabia o que representava ser criança; isso porque a criança não se
diferenciava do adulto e não era representada significativamente na
família, era vista como somente ligada ao grupo como qualquer outro
personagem do contexto. (Áries, 1979, p.14). A percepção que se tinha
era de um "ser em miniatura" que tinha que aprender a viver juntamente
com os demais.
Mas esses são alguns dos sentimentos de infância que Áries (1976)
traz, ele mostra que com o passar do tempo e em cada época se criava um
sentimento, um modo de perceber a infância, e foi o que ocorreu ao fim
da Idade Média, onde surgiu a percepção da criança como um ser
inocente, divertido, é o sentimento de "paparicação", onde a criança
era vista como fonte de distração dos adultos. E após contrário a este
sentimento surge o sentimento de irritação que segundo Áries, não se
suportava o sentimento de paixão pelas crianças, na qual as pessoas
beijavam estas. (p.158)
Portanto, observo a cada época à busca para entender quem era a
criança, em que lugar colocá-la em sociedade, ou seja, uma busca pela
significação da infância, porque não se tinha claro para a sociedade o
que era esta fase. Segundo Áries (1976) "o sentimento da infância
corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo
jovem". (p.156). E isso não era visível a essas épocas ainda.
Contudo, voltando às épocas mais atuais observamos que o reconhecimento
por essa começa a aparecer, e esse reconhecimento vem segundo Paula
(2005):
Com o estabelecimento de uma nova ordem política, social e econômica,
impulsionada por diversos fatores, dentre os quais o capitalismo
industrial, o neoliberalismo e suas consequências (migrações,
surgimento da família nuclear e burguesa, adstrição da criança à
família e ideia de escola), ocorreram transformações que influenciaram
a organização da estrutura familiar e, consequentemente a vida das
crianças. (p.1)
Com novas viabilizações da estrutura social, econômica e familiar,
começa a voltar se a pensar na criança como um sujeito despreparado
para tal sociedade, e desta forma surge à necessidade de prepará-la
para viver neste novo estabelecimento; surge então a questão de
escolarizar as crianças prepará-la para o futuro, e esse é um olhar que
persiste até dias atuais, pois surgiu com a questão da
industrialização, porque não tinha sido necessário até esta época
escolarizar as crianças, as escolas existiam para os maiores.
Isto mostra uma nova percepção da infância, e me faz pensar como houve
a variação das concepções no decorrer dos anos, e isto é perceptível a
meu ver, ao observar as concepções que relacionei anteriormente.
Segundo os Referenciais curriculares (1998) "a concepção de criança é
uma noção historicamente construída e consequentemente vem mudando ao
longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no
interior de uma mesma sociedade e época". (p.21).
Sobre estas variações me debruço a observar à concepção de infância nos
dias atuais onde é possível ver o reconhecimento da criança, da
infância como "um vir a ser" no futuro, é um olhar que por mais que se
direciona a pensar nas crianças como sujeitos ativos e produtores de
culturas ainda se almejam o preparo destas para o futuro
desconsiderando-se o presente. Daí surge as problematizações sobre
questões da concepção da infância na atualidade: a criança já é no
presente, ou será somente no futuro? Deve ser considerada no presente
ou deve ser vista somente como um ser que será só no futuro
desconsiderando o que ela é, sua vida, seu olhar e sua formação no
presente?
Andrade (2007) que discute a concepção do "ser criança" na sociedade
atual trazendo, dados de uma pesquisa feita por ela em seus trabalhos
que trouxe indicações da criança estar sendo tida como um "ainda não",
algo que se tornará sujeito um dia (quando adulto), pois esta tem sido
vista como uma extensão dos pais, ou seja, não tem direitos próprios.
(p.2)
A autora complementa dizendo que as crianças têm sido consideradas como
"menores" ou "ainda não cidadãos"; ressalta que, "a infância como
realidade social, tem frequentemente permanecida afastada e excluída
das reflexões sobre problemas sociais e qualidade de vida", pois "a
moratória infantil (o ainda não) faz com que a criança esteja sempre em
lugar de objeto em um processo macrossocial encaminhado a uma futura
sociedade ideal". (p.3) Ou seja, deixar de ser criança no presente
porque tem que ser algo no futuro, e sobre isto vemos duas realidades
infantis uma em que a criança fica atribuída a ter muitas formações
escolares (cursos) para prepará-la para o futuro na sociedade; ou
muitas atribuições (afazeres) para adquirir o perfil social que é "ser
ativo" atribuído de muitas tarefas o que acaba tirando o prazer da
infância, pois estas crianças passam a não ter tempo para o
brincar.
Outra realidade é a que a criança acaba tendo que trabalhar por sua
família não ter condições financeiras de se manter. No Brasil estes
casos são visíveis, mas nunca colocado como pauta pela sociedade só por
instituições que lutam pela questão do trabalho infantil e sobre outros
aspectos da infância, mas este é outro âmbito de estudo na qual não vou
me ater, pois não será o foco nesta pesquisa, apesar de ser algo
relevante na questão da concepção de infância na sociedade atual.
Neste estudo, venho questionar como a escola pensa a infância, e como
ela lida com as questões de trabalhar com a valorização, com a questão
de a criança ser preparada para viver na sociedade, mas de uma forma
que não tire o prazer e seu momento presente de ser criança. Será que a
educação tem sido pensada no sentido de respeitar e valorizar a criança
no presente?
Com esta perspectiva de entender como a escola a tem concebido,
analisei a questão da infância que os Referenciais curriculares nos
trazem. E a partir desta análise observei que o objetivo é a formação
das crianças para o amanhã e isto porque a ideia de escolarização como
vemos anteriormente surgiu nesta perspectiva de fazer a criança se
preparar para "ser" no futuro. Segundo Guimarães (2003), "a educação no
contexto da modernidade tem como perspectiva formar os adultos de
amanhã, os artífices da futura sociedade". (p.3). Será que a educação
tem sido pensada só nesta perspectiva, será que não se pensa na
infância em si na questão de contemplar as capacidades, as percepções
das crianças, os olhares destas para as questões da vida.
Este mesmo autor ao analisar a questão da educação infantil nos
Referenciais curriculares diz que "a educação infantil é situada na LDB
como primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade propiciar
o pleno desenvolvimento da criança". (p.27) Observo então, que o
objetivo não é só formar para vir a ser e sim fazer com que a criança
se desenvolva no presente. Se desenvolver não seria ter voz ser
considerada alguém ativo, com sua produção e seu modo de pensar?
Mas nem sempre foi assim; A educação tradicional muitas vezes impediu
isto e fez com que as crianças fossem tidas apenas como reprodutoras e
não criadoras. Formavam-se indivíduos que não conseguiam agir por si só
porque foram impedidos por uma educação que não considerava seu saber.
E isto porque a educação era voltada a mecanizar os saberes das
crianças, considerando-as como alguém que não sabe ou que não pode por
ser criança. Não quero dizer assim que desta forma a criança seja
autônoma não precise das intervenções dos adultos, mas que se ouçam as
crianças e as veja como alguém que "é", não como alguém impossibilitado
de ser no presente, mas deve propiciar as crianças formas de "ser" e
"viver" a infância.
Hoje observamos não só na educação infantil, mas nas séries seguintes a
questão do considerar o conhecimento que a criança já tem, ou seja,
conhecimentos do âmbito social de seu contexto, pois ela como
participante da sociedade em que vive aprende e é influenciada por esta
em seus conhecimentos e vivências; portanto, tem conhecimento, não é
alguém vazio até porque a criança aprende com o mundo dos adultos e
ressignifica a realidade, o aprendizado que viveu a "seu modo" para
melhor entendê-los.
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como
seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio, e isto
porque, através das interações que estabelecem desde cedo com as
pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças
revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem as relações
contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam
as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos.
(p.21)
A criança tem que ter a oportunidade de "ser" no presente para "ser" no
futuro. E um dos objetivos que os referenciais curriculares (1998)
colocam é da criança desenvolver sua independência, a confiança em suas
capacidades (p.63). Isto é considerar a criança como um ser atuante,
como alguém que pode e não como alguém que por ser criança não tem voz.
Desta forma, analisando as concepções dos referenciais vemos que este
apresenta aspectos de valorização à infância na qual a criança é
compreendida como alguém atuante, que possui uma cultura, um jeito de
ser próprio. Com isto, a prática educativa deve buscar compreender um
ensino que alcance esses objetivos, onde valorize esses aspectos da
infância que os Referenciais curriculares trazem, mas isso será
possível a partir de uma nova perspectiva de reconhecer a criança como
produtora e não como somente produto a ser formada.
Com isso, tendo em vista essa compreensão, voltei minha pesquisa a
observar a prática de uma escola municipal, a qual me trouxe uma
verificação, um exemplo, de como esta trabalha a questão da infância e
qual o modo que a escola a concebe. Desta forma, verifiquei o modo como
é estabelecida as atividades no ambiente escolar e os projetos, de
forma a averiguar se pensam na formação da criança somente para o
futuro ou se trabalham com ela o presente, ou seja, como um "ser" que
"é" no presente.
Tal escola situa-se em um bairro periférico de classe social baixa. São
moradores oriundos de cidades nordestinas e que vieram para São Paulo
tentar melhores condições de vida. A escola é de pequeno porte,
composta por quatro salas que atende a três períodos: manhã,
intermediário e tarde. Possui 10 professoras, uma coordenadora
(diretora), e uma assistente de direção. Possui em seu ambiente um
espaço (pátio) não muito grande, mas que atende ao número de crianças,
há ainda um parque ao ar livre e brinquedos em condições favoráveis ao
uso.
Minha pesquisa se voltou a fazer observações práticas na rotina da
escola no seu dia a dia, sendo que estas foram desenvolvidas durante
três meses, tendo como foco observar os trabalhos que são desenvolvidos
e, a saber, qual a concepção de infância que esta traz consigo. Vale
ressaltar que esta pesquisa informará a concepção de uma instituição
não tenho o intuito de generalizar a todas, pois cada uma possui seu
olhar para a criança e para a infância.
Nesta escola, pude observar na prática, que a mesma tenta por diversas
vias trabalhar de modo a valorizar aspectos da infância: como as
brincadeiras infantis; trabalhando questões da cultura; da imagem de
si, e um outro aspecto é a autonomia da criança, a questão do
expressar-se, de saber colocar suas opiniões, o que é interessante pelo
fato de trazer à criança oportunidade de escolher o que gosta o que
quer e o que acha ser bom; algo que traz importantes momentos onde a
criança mostra seu olhar sobre as coisas e sobre o mundo a sua volta de
modo a trazer a seu mundo infantil.
Outro dado relevante na observação da prática desta escola foi a
questão do conselho infantil que me levou refletir e ater o foco da
pesquisa sobre esta por ser uma das formas que a escola trouxe de fazer
com que a criança tenha seu espaço e que ela "seja", e atue conforme
seu pensar, ou seja, a escola pode sim formar a criança na
sociedade, mas deve considerá-la como um ser que é e está vivendo no
presente. O trabalho desta escola nos mostra formas da criança
relacionar-se com os adultos mostrando suas opiniões e ressignificando
o que tem a sua volta, e produzindo cultura. Observei importantes
momentos de atuação destas crianças, que são as vozes das demais frente
à direção escolar e frente aos demais participantes do ambiente
educativo.
O conselho infantil começou a ser organizado em abril com o processo de
eleição, onde as crianças que preenchiam o perfil disposto se
candidatavam; perfil este elaborado pelos professores e alunos durante
discussões sobre o que seria o perfil ideal para um representante
infantil do conselho. E com isto o perfil disposto para a criança se
candidatar era: saber falar, não ter vergonha de se expressar, obedecer
a professora e a direção, e ter propostas de melhoria das atividades e
do ambiente escolar.
Os integrantes são escolhidos pelas próprias crianças e cada classe
realiza a sua eleição e fazem a escolha de três ou quatro amigos que as
representarão no conselho infantil, e também escolhem os suplentes para
o caso de ausência destes. A escolha é realizada em cada sala, onde a
professora explica e discute com os alunos, a importância da realização
das escolhas destes amigos e da própria organização do conselho, e
explica que elas deverão escolher conforme as propostas dos candidatos
e verificar as mais viáveis e as que condizem com o que eles querem e
acreditam. É um trabalho que é direcionado a fazer com que as crianças
tenham autonomia nas escolhas dos projetos e nas atividades que serão
desenvolvidas em cada mês.
A escolha e a votação é algo que faz a criança se sentir contribuinte
com trabalho desenvolvido na escola e se sinta autônoma em tomar
decisões. Depois desta escolha dos integrantes, os eleitos passam a ser
a "voz" de sua sala frente à direção e as demais crianças que foram
eleitas das outras salas.
Um exemplo do trabalho desenvolvido foi o mês da criança onde estas
escolheram que atividades seriam desenvolvidas no decorrer do mês e
isso foi feito na reunião do conselho infantil onde as crianças
levantaram sugestões, aprendendo a respeitar as opiniões dos amigos e
decidindo o melhor a ser desenvolvido e de acordo com que elas acham
melhor e "legal".
Nas observações que realizei no decorrer deste período pude verificar
que as reuniões do conselho infantil são realizadas em mensalmente onde
se decide temas específicos, como a festa junina, aniversariantes,
festa de natal, etc. Essas reuniões são momentos na qual as crianças
decidem as atividades que gostariam que fossem realizadas na escola e
também optam por melhorias no ambiente escolar; a direção faz um
levantamento das opções para melhorias e envia ao departamento, ou
seja, há uma preocupação em valorizar o que as crianças opinam como
também a participação destas.
Deste modo, para o levantamento destas decisões e também destas
opiniões as crianças se reúnem entre si juntamente com a direção que se
torna mediadora da reunião e ouvinte das opiniões e escolhas feitas
pelas crianças. Esta atividade mostra um espaço em que a criança deixa
de ser "EN-FANT" sem voz para ser alguém com voz, que é ouvida e onde
sua opinião é valorizada, ou seja, não é vista mais como um ser que não
sabe e que por ser criança não pode trazer contribuição ao espaço
escolar; é algo que faz a criança "ser", atuar, desenvolver e
ressignificar o que a escola propõe e o que os professores a ensina a
sua cultura infantil, sendo assim ela produz uma cultura e uma voz
própria.
Após esta reunião é feita a integração entre os representantes de todas
as salas e após um consenso entre as escolhas; estes levam a pauta do
que foi levantado para a sala e discutem com as demais crianças e a
professora, que acaba mediando a discussão em sala, mas que dá "a voz"
para que as crianças conversem entre si e escolham, ou seja, não
interfere, só faz a mediação nas escolhas, e através deste momento em
sala as crianças optam pelas atividades que acharem melhor, depois que
cada sala fica ciente da pauta e dos levantamentos do conselho e fazem
suas escolhas, o conselho se reúne novamente e faz o levantamento das
respostas e reúne as que ganharam.
Isto proporciona que as crianças desenvolvam autonomia de realizar suas
escolhas e participam no que se refere às atividades de seu ambiente
escolar e faz também, com que nestas interações, nestas trocas de
opiniões, a criança construa sua identidade, sua maneira de ser, isto
porque segundo Guimarães (2003) "a identidade pressupõe um processo de
interação entre individuo e sociedade, capaz de fornecer as condições
para que uma nova situação diferencial se estabeleça". (p.30) Ou seja,
essa troca, essa socialização de ideias entre as crianças favorece
novos aprendizados e novas construções em sua identidade fazendo as ter
"voz". Segundo Paula (2005) diz "as crianças são sujeitos atuantes e
por isso, criticas e construtoras de seu mundo". (p.1)
As crianças por meio do conselho atuam de forma democrática onde acabam
aprendendo a se expressar, a ouvir os outros amigos e a respeitar as
opiniões, e também a estar por dentro e a serem autoras das atividades
e dos projetos que são escolhidos por elas. É algo muito interessante,
pois se vê e se reserva um espaço onde a criança deixa de ser EN-FANT
"aquele que não fala" para ser atuante e dessa forma exercer uma
autonomia de se expressar e de interpretar as atividades no ambiente
escolar conforme suas culturas infantis, pois a criança elabora a
partir do que vivencia em seu contexto, e acaba recriando a sua
vivência de mundo, e interpretando ao seu modo infantil, a sua cultura
e a sua forma de ver e perceber o mundo.
Favorecer um espaço em que a criança possa discutir, possa optar, possa
expressar seu modo de olhar o mundo é algo muito rico e incide outro
olhar da escola, e dos envolvidos no ambiente escolar, pois deste modo
a escola passa a ver as crianças como "alguém que é", e não que será;
mas isto incide também outro modo de pensar em que favoreça mais a
participação das crianças, incide um olhar educativo que pensa não só
no futuro das crianças, mas que as reconheça no hoje, no presente,
vendo-as como alguém que aprende com o presente e está a ser formar a
partir deste.
O conselho infantil mostra-nos outro olhar a infância e isto é algo que
nem todos os envolvidos no âmbito da educação têm, ou seja, nem todos
percebem a infância como algo presente, a criança como alguém que tem
suas percepções, suas escolhas e sua cultura. Muitas das vezes o que
permanece no ambiente escolar é um olhar a infância como algo que tem
que ser formado e que nada sabe que não sabe se expressar, e acaba não
ouvindo a criança, e vendo esta com o papel de "executora" do que os
adultos que tudo sabe dizem; o que acabam trazendo uma infância sem
valor e sem a percepção do que a própria criança acredita ser; é uma
desvalorização ao olhar da criança, a sua cultura. Algo que influencia
a própria aprendizagem escolar, pois a criança sendo percebida e
tratada desta forma acaba limitada, o que influencia muito seu convívio
em sociedade, pois a criança não consegue "ser" por ter sido tratada
como alguém que "não é" e que um dia "será".
Considerar a infância como uma categoria social ou estrutural, não
significa afirmar que as crianças estejam descoladas da sociedade, que
tenham total autonomia no processo de socialização ou que suas
produções ocorram sem interlocução com o mundo social dos adultos. Mas
é necessário compreender que elas atribuem outras significações e
sentidos sobre as coisas à sua volta e, sobretudo ao que fazem. As
crianças transcendem as regras instituídas pelos adultos e instituem
outras de acordo com as relações que estabelecem com seus pares, pois
se sabe que os laços de amizades entre as crianças e, consequentemente,
as teias de interesses afins encorajam as "invenções", possibilitando a
expansão de acordos, de criações, de expressões, enfim, de produções
culturais. (p.2)
As crianças nesta perspectiva possuem culturas que são construídas a
partir das ressignificações que fazem das ações dos adultos tornando
assim sujeitos que recriam o seu modo e a sua forma de entender e
compreender aspectos do mundo, sujeitos construtores de uma cultura
própria. É o que os RCNs (1998) traz em sua concepção:
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza
como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. E
isto através das interações que estabelecem desde cedo com as pessoas
que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam
seu esforço para compreender o mundo em que vivem as relações
contraditórias que presenciam, por meio das brincadeiras, explicitam as
condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos.
(p.21)
Ou seja, considera-se assim a criança com uma característica própria em
que ela é criadora e produz o que é significativo a seu ver; deixando
assim de considerá-la como ser que nada sabe e nada produz ser passivo
e reprodutor do que os adultos estabelecem que faça. É algo que passa a
trazer uma nova concepção de infância, pois se acredita assim que a
escola, a educação será contribuinte que a criança se desenvolva sendo
atuante, criativa, que seja um individuo participante de seu processo
de aprendizagem e não um indivíduo passivo que só recebe, pois olha-se
as criança como sujeitos que nada sabem, incapazes, e na verdade se
surpreendem quando a criança traz respostas, traz significados que nós
adultos não compreendemos e até questionamos como ela sabe? Mas na
verdade a criança aprende com cada experiência que vive no mundo e com
os adultos que lhe são referências, mas trazem ao seu modo e adquire um
novo olhar. Portanto a escola, a educação deve pensar nesta perspectiva.
Muitas vezes nós professores passamos atividades e pensamos, "mas são
crianças não saberão lidar com tais propostas", e na verdade elas nos
surpreendem, pois demonstram saber mais do que acreditávamos que
fariam.
A prática desta escola, este projeto com o conselho infantil deixou-me
perceptível a confiança, a crença em que as crianças têm a contribuir e
isso é algo muito valorativo à educação, mas que implica mudanças no
modo de pensar dos envolvidos, como já foi dito, porque se tem com isto
uma nova perspectiva do trabalho escolar, ou seja, não só de formar,
mas também de acreditar que a criança "é" no presente o que contribuirá
a ela a ser no futuro. Desta forma, me leva a pensar em uma prática que
vise uma abertura de espaço para a criança atuar, não ser alguém
passivo, mas ser um autor de suas experiências e significações.
Vejo um diferencial nesta escola pesquisada, pois são poucas que pensam
na criança como um ser que pode opinar que pode participar, que pode se
expressar e que pode ter seu querer, sua escolha; é raro porque é algo
é difícil entender a infância nesta perspectiva, pois mudam alguns
conceitos que a escola carrega consigo, porque se acredita que deste
modo o adulto acaba perdendo a autoridade, mas não é algo que tende a
tirar autoridade até porque mesmo a criança tem que ter uma referência,
mas nada disso influi sobre esta questão e sim acaba gerando uma
aproximação maior entre a criança e o adulto fazendo os ver com
percepções diferentes.
A partir do momento em que a escola passa a proporcionar um trabalho
assim onde a criança tem seu espaço, participa das atividades escolares
fazendo escolhas, ela passa a proporcionar que esta se torne criadora
de uma cultura própria. Nesta perspectiva, a escola passa a
ressignificar seu trabalho, e isto ao estabelecer que este tenha a
opinião delas, e a visão de mundo que elas têm em sua "interpretação
infantil".
É um trabalho que facilita também a integração entre os adultos e as
crianças, possibilitando aos adultos conhecerem e contextualizar-se ao
universo infantil, como forma destes saberem lidar com as crianças no
âmbito escolar. A educação infantil não é pensada muitas das vezes
desta forma, pois o que se vê é a criança sem nenhum conhecimento,
sendo considerada "vazia", sem formas de "ser", ou seja, um ser incapaz
que deve a educação ser e fazer tudo por elas.
Durante a pesquisa de observação conversei com algumas crianças de seis
anos que integram o conselho infantil, e nesta conversa me disseram
gostar de fazer parte do mesmo, mas disseram se sentir por vezes com
"vergonha" por ter que dar opinião e falar; isso me fez refletir que
sendo assim motivados a se expressarem, a opinar, aos poucos eles
acabam se manifestando de forma natural, sem mais se sentirem
"temorizados" em expressar suas opiniões.
Certa vez acompanhando a fala de algumas crianças integrantes do
conselho frente à sala, em um momento de socialização da pauta da
reunião do conselho infantil, uma das integrantes chamou-me a atenção
em sua forma de expressar, muito "esperta" repetia como que de 'postura
adulta" as sugestões, opiniões dadas em reunião e explicava como deviam
ser feitas as escolhas das opções. Foi um momento marcante, pois nos
trouxe a reflexão de como a criança traz para si as formas e as ações
do mundo adulto e de como esta referência é importante para elas, pois
elas acabam produzindo uma cultura própria a partir dessas
aprendizagens.
Este é um trabalho que, como diz Jobim e Souza (1994) et al. Andrade
(2007), "faz-se uma ruptura com a representação desqualificadora de que
a criança é alguém incompleto, alguém que constitui em um vir a ser no
futuro". Pois segundo estes autores ressaltam "a criança não se
constitui no amanhã; ela é hoje, no seu presente, um ser que participa
da construção da história e da cultura de seu tempo". (p.4).
Desta forma, como se pode pensar na criança em um ser que será só no
futuro, desconsiderando sua atuação no presente fazendo assim viver e a
ser um sujeito sem "voz", alguém como uma "tábula rasa", vazio, sem
nada a contribuir agora, só futuramente quando adulto; a educação como
descrevi já teve e ainda tem visões como estas. A criança tem sim a
contribuir nos fazer entender seu universo e a nos mostrar qual a
melhor forma que ela poderia e pode aprender o que ela pensa etc., e a
melhor forma de contribuirmos é abrindo um espaço em que ela possa ser
estar e atuar, ou seja, um espaço em que possa ser criança, em que
possa ter uma infância com "voz".
Contudo, acredito que o modo como a sociedade vê a infância influência
sobre a forma da escola ver a mesma, mas pensar em como ter um olhar
diferenciado, em não só pensar na criança no amanhã, mas sim na sua
formação no presente é algo que a educação tem que estar refletindo, a
escola tem que pensar em formas de alcançar estes aspectos no que diz
ao desenvolvimento das crianças.
No entanto, esta questão nos traz várias reflexões contínuas sobre o
modo como a infância tem sido concebida no espaço escolar, mas
acreditamos que esta pesquisa é só uma introdução, uma reflexão, uma
"provocação" a nós educadores a pensarmos na infância na atualidade de
forma diferente, acreditando nas crianças como sujeitos capazes,
atuantes, com "voz". Desta forma, fica em aberta a questão para novas
curiosidades que darão continuidade e abrirão janelas para e
contínuas reflexões.
ANDRADE, Ângela Nobre de. A criança na sociedade contemporânea: do
"ainda não" ao cidadão em exercício. Psicologia Reflexão Critica vol
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Autor: Kelly Cristina Teixeira
Data: 24/04/2009